Vem saber o que há de novo para atender a demanda/necessidade por alimentos mais sustentáveis
A urgência por fontes energéticas mais sustentáveis é inegável. O planeta não terá mais recursos naturais para continuar alimentando o mundo com o ritmo crescente do consumo de produtos de origem animal (existe 10x mais animais criados para consumo do que seres humanos). São abatidos aproximadamente 75 bilhões de animais terrestres por ano (FAO, 2019) (só de frangos seria um equivalente a quase 200 milhões por dia), sem contar os animais aquáticos e todo o ecossistema que é retirado pelas enormes redes de arrasto. A projeção até 2050 é de um aumento do uso das áreas agrícolas de 30–50% para apoiar a criação de gado(1).
Na pecuária tradicional, apenas 5% a 25% de energia que o
animal consome é gerada como carne comestível, resultando em uma baixa taxa de
conversão para a produção de carne. Além disso, a pecuária também é uma das
principais causas das mudanças climáticas, com uma porção considerável de
emissões de gases de efeito estufa, perda de solo e nutrientes, poluição de
água (monocultura e uso extensivo de agrotóxicos), desmatamento, diminuição de animais
selvagens e nativos, destruindo os ecossistemas e a biodiversidade(1).
O estresse ambiental, aliado a questões de bem-estar animal, riscos epidemiológicos de zoonoses (leia também A criação de animais para consumo pode provocar uma nova pandemia?) e
o impacto dos produtos cárneos na saúde, tem motivado muitos consumidores a
reduzir os alimentos de origem animal, impulsionando forças para a crescente
demanda de carnes alternativas.
Uma variedade de produtos alimentícios à base de plantas foram desenvolvidos para substituir aqueles tradicionalmente feitos de animais. Esses produtos incluem alternativas lácteas (“leites” de soja e castanhas) e alternativas à carne na forma de hambúrgueres, salsichas e outros produtos semelhantes à carne feitos de componentes vegetais.
Esse mercado de análogos feitos de vegetais atende ao
público que já deixou de comer carne e outros produtos de origem animal, mas
também (e principalmente) a aqueles que não querem abrir mão do seu hábito/paladar
e não conseguem ficar sem comer bife, frango, hambúrguer, linguiça, ovo, etc.
Assim, esses produtos vem como alternativas mais sustentáveis, com fontes
proteicas de menor impacto ambiental.
Embora haja bebidas alternativas vegetais ao leite de vaca
(feitas com soja, coco, castanhas, aveia, etc ...) e produtos de soja como proteína
isolada, proteína texturizada, bife e hambúrguer há bastante tempo, mais
recentemente startups têm investido
no desenvolvimento de alimentos que assemelham muito ao sabor, textura, aroma e
experiência sensorial do produto animal. Como é o caso da foodtech NotCo® que colocou no mercado produtos
baseado em plantas análogos ao leite, sorvete, maionese e hambúrguer.
Para isso a NotCo® faz uso de tecnologia, através de inteligência artificial (batizado de Giuseppe) que cruza diferentes bases de dados para elaborar receitas nutritivas, inovadoras, recria produtos com sabor, aroma, textura muito parecidos da versão animal. Com mais de 30 mil plantas cadastradas, o algoritmo da machine-learning (Giuseppe) analisa em nível molecular a estrutura dos alimentos derivados de animais e encontra substitutos vegetais. Por exemplo, o Not Milk® (sem leite em português), um substituto do leite de vaca que é feito da combinação de repolho com abacaxi (sim!). E as fórmulas inusitadas da NotCo® não param por aí. Sorvete à base de ervilha; hambúrguer de cacau e beterraba, e antes de torcer o nariz, acredite: o gosto, o aroma e a textura desses alimentos são bem parecidos aos de origem animal ao qual estão acostumados.
E tem pra todos os gostos: almôndegas, carne moída,
hambúrguer, linguiça são as opções à base de plantas desenvolvidas pela foodtech brasileira Fazenda Futuro™.
Mas não são só as startups que estão de olho nessa tendência de mercado que cresce exponencialmente, a gigante indústria de carne Seara® também lançou versões de kibe, empanados de frango, tiras de frango e até bacalhau feitos de vegetais.
Micoproteína produzida por fermentação fúngica (Fusarium venenatum) também é uma
alternativa já consumida nos EUA e outros países. A proteína dos micélios
filamentosos tem a vantagem de formar fibras alongadas que confere uma
característica mastigável semelhante à carne, além de ser rica em proteínas e
fibras e pobre em gordura, colesterol, sódio e açúcar (2). Ainda, a
micoproteína pode ajudar a manter níveis saudáveis de colesterol no sangue e
promover a síntese muscular, controlar a glicose e a insulina no sangue e
aumentar a saciedade(2). Conhecida pela marca Quorn®, a
micoproteína é utilizada como ingrediente em produtos como hambúrgueres,
filetes de peixe, carne moída e fatias de delicatessen, e até ovo.
Enquanto a n.ovo comercializa um substituto do ovo em pó para ser usado em preparações como bolos, panquecas, a foodtech OsomeFood™ desenvolveu um ovo cozido que leva na sua composição além da micoproteína, suco de cenoura, leite de amêndoa, amido de batata, coalhada, azeite de oliva, sal preto, fermento nutricional, bardana fresca, chia, curcuma, wakame, kombu e feno-grego.
Outra potencial opção ao modelo atual é a carne cultivada, também conhecida como carne in vitro ou carne baseada em células. A carne cultivada é produzida pelo cultivo in vitro de células animais, em vez da criação e abate de animais. É uma tecnologia emergente que envolve a aplicação das práticas da engenharia de tecidos à produção de músculos para consumo como alimento(3). Para isso, células (extraídas dos tecidos animais ou de linhagens) são cultivadas em condições ótimas para sua proliferação (aumento no número de células) e diferenciação (processo ao qual as células formarão novos tecidos, que serão os músculos consumidos).
É importante ressaltar que o risco de surgimento e rápida
disseminação de patógenos animais que são uma ameaça à segurança alimentar é
inexistente na carne cultivada. Em segundo lugar, a produção de carne cultivada
diminuiria o uso excessivo de antibióticos que promovem o surgimento e a
disseminação de bactérias resistentes a antibióticos. E em terceiro lugar, o processo
de produção é muito mais previsível e menos demorado, com várias semanas
necessárias para a conversão de nutrientes e energia, em vez dos meses ou anos
necessários no caso da carne proveniente de gado. Porém, a produção de carne
cultivada ainda está em seus estágios iniciais, e fatores limitantes de alto custo
e tecnologia ineficiente ainda impedem sua aplicação em larga escala e
comercialização.
Por fim, para expandir a aceitação e serem adotados amplamente, os produtos alternativos devem: (1) imitar os atributos sensoriais como aparência, aroma, textura e ter gosto de carne, já que o sabor (incluindo sensação na boca) é fundamental para a motivação dos consumidores de carne modificar seu comportamento alimentar; (2) encontrar novos meios (aprimorando processos, fazer uso de matérias-primas nacionais, alteração/isenção na política de impostos) para reduzir os custos do produto, e assim ter preço mais acessível e competitivo ao dos produtos de origem animal; (3) ser fácil de encontrar (acesso ao consumidor); e (4) atender à segurança alimentar e qualidade nutricional.
Sobre esse último requisito, será que as alternativas à base
de vegetais são opções mais saudáveis à carne animal? É o que vamos ver no
próximo post.
Glossário
linhagem celular = células que não perderam as
características de origem e possuem alta proliferação. Podem ser mantidas em
cultura por um longo período de tempo e ainda guardam características do tecido
original. Essas células são utilizadas em pesquisas e na produção de vacinas,
por exemplo.
Startup = é uma "empresa emergente" que tem como
objetivo principal desenvolver ou aprimorar um modelo de negócio,
preferencialmente escalável, disruptivo (inovador) e repetível .
Foodtech = junção dos termos ingleses comida (food) e
tecnologia (tech), a expressão refere-se às startups criadas com o intuito de
oferecer ao seu público uma maneira inovadora de se alimentar.
Fontes consultadas:
1 Machovina, B., Feeley, K. J., Ripple,
W. J. (2015) Biodiversity conservation: The key is reducing meat consumption. Science of The Total Environment, 536,
419-431. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2015.07.022
2 T.J.A. Finnigan, B.T. Wall, P.J. Wilde, F.B.
Stephens, S.L. Taylor, M.R. Freedman. (2019) Mycoprotein: The future of
nutritious nonmeat protein, a symposium review. Current Developments in
Nutrition, 3, 1-5. https://doi.org/10.1093/cdn/nzz021
3 Zhang G., Zhao X., Li X., Du G.,
Zhou J., Chen J. (2020) Challenges and possibilities for bio-manufacturing
cultured meat. Trends in Food Science and
Technology, 97, 443-450. https://doi.org/10.1016/j.tifs.2020.01.026
FAO – Food and
Agriculture Organization of the United States http://www.fao.org/faostat/en/#data/QL Acessado em 28/05/2021.
The summer hunter https://thesummerhunter.com/alimento-notco-giuseppe-inteligencia-artificial-vegano/ Acessado em 28/05/2021.
Brigadeiros e Trico – veganismo e estilo de vida https://brigadeirosetricos.com/o-que-e-micoproteina/ Acessado em 31/05/2021.
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