Consumo de ultraprocessados: o que realmente importa para a saúde - processamento ou teor de nutrientes?
Qual a diferença entre os alimentos industrializados e seu impacto na saudabilidade da dieta?
Quatro categorias de alimentos são propostas na
classificação NOVA, que busca relacionar o processamento de
alimentos como o principal impulsionador da qualidade da dieta. São assim
definidas: 1 - alimentos não processados ou minimamente processados (vegetais, frutas, arroz, feijões); 2 -
ingredientes culinários processados (sal, açúcar, óleo); 3 - alimentos processados (milho/ervilha enlatado, palmito, frutas em calda); e 4
- alimentos ultraprocessados (refrigerante, sorvete, margarina, macarrão instantâneo, etc).
Ainda, de acordo com o Guia Alimentar para a população brasileira, o tipo de processamento empregado na produção dos alimentos determina ou influencia:
- o sabor;
- os nutrientes presentes no
alimento;
- com quais outros alimentos
será consumido;
- quando, onde e com quem será consumido (modos de comer);
- a quantidade que será consumida;
- o impacto social e ambiental.
É importante ressaltar que o
processamento de alimentos é complexo. Ao mesmo tempo em que garante a
segurança e preservação microbiológica, altera a matriz alimentar e pode formar
novos compostos.
Há um debate se essa classificação dos alimentos baseada no
seu nível de processamento é o ideal para elaborar políticas públicas e diretrizes
alimentares, assim como o faz o Guia Alimentar Brasileiro, que fortemente recomenda
uma dieta balanceada e saudável, predominantemente em alimentos naturais e
minimamente processados, moderado consumo dos processados, e evitar ao máximo
os ultraprocessados.
Um dos motivos é o fato dos ultraprocessados conter excesso de nutrientes (como sódio, gordura saturada, açúcar) que causam doenças, e falta de nutrientes que protegem de doenças (como vitaminas, minerais, fibras, bioativos que são naturalmente presentes em alimentos vegetais integrais). A solução seria então melhorar o perfil nutricional desses produtos, aumentando a quantidade de fibras, e diminuindo gordura e açúcar, por exemplo? E esse é um dos pontos da falta de consenso: o conceito de estratégias para melhorar os padrões nacionais de dieta, abordando o processamento em vez da ingestão de nutrientes. Aqueles que questionam e criticam a classificação baseada no processamento, justificam que uma nomenclatura mais adequada poderia ser alimento ultraformulado, já que é isso que os diferencia, a adição ou falta de ingredientes e nutrientes que são benéficos ou não.
A classificação NOVA também é criticada pela distorção das terminologias empregadas. Por exemplo, o leite em pó ser
considerado minimamente processado, levando em conta que esse termo é usado
para definir o processamento mínimo que inclui operações como sanitização, descascamento,
corte, branqueamento (tratamento térmico brando), que são utilizados justamente por
alterar minimamente a composição do alimento. Outro caso é o leite de caixinha UHT
(sigla de ultra high temperature, em inglês) que passa pelo processo de
pasteurização a altas temperaturas, e ser considerado também como minimamente
processado, o que leva à uma confusão pelo fato do tratamento térmico UHT não ser um processamento mínimo.
Mas a classificação NOVA abrange também outras alterações
ocasionadas pelo processo que contribuem para o impacto negativo na saúde. Como
a adição de adoçantes artificiais e de outros aditivos (conservantes, corantes,
estabilizantes), e formação de compostos considerados xenobióticos como bisfenol
que é liberado da embalagem, por exemplo. Além da perda de alguns nutrientes, o
processamento de alimentos também leva à criação de produtos caloricamente
densos e altamente palatáveis (combinação de açúcar e gordura), que despertam
sensação de prazer e são relacionados ao consumo compulsivo e obesidade.
Um estudo recente mostrou que a ingestão de alimentos
ultraprocessados levou ao aumento da ingestão de calorias e ganho de peso em relação aos alimentos não
processados1. Os indivíduos receberam
dietas de alimentos ultraprocessados ou não processados por 2 semanas e imediatamente
alternaram para a outra dieta durante as 2 semanas seguintes. As refeições
foram projetadas para terem a mesma quantidade de calorias, macronutrientes, açúcar, sódio e fibras, e podiam consumir o quanto
desejassem. O consumo de energia foi maior durante a dieta de ultraprocessados
(em média 500 kcal/dia a mais), com aumento do consumo de carboidratos e
gordura, mas não de proteína.
As evidências também apoiam uma associação inversa entre o
consumo de alimentos específicos não processados / minimamente processados,
como grãos integrais, frutas e vegetais, com o ganho de peso. Além da potencial interação dos ultraprocessados com a microbiota e o ambiente intestinal, que estão relacionados à obesidade e doenças metabólicas2.
Alguns dos questionamentos em relação à classificação: A quantidade de alimentos ultraprocessados que um indivíduo consome importa se esse indivíduo tem uma ingestão ideal de todos os nutrientes? Se a resposta for sim, então surge a questão de qual parte do processamento está envolvida na etiologia das doenças. É o processamento em si (aquecimento, desidratação, congelamento, etc.) ou a presença de aditivos que podem acompanhar o processamento (emulsificantes, aromatizantes, corantes, etc)? Se for o processamento em si, qual é a base biológica proposta para o processamento no desenvolvimento de DCNT? E se for o uso de aditivos alimentares, onde, no banco de dados global sobre a toxicologia de tais compostos, estão as evidências para começar a sugerir uma ligação com as DNTs?3
Uma das explicações pode ser que o alto consumo de
ultraprocessados esteja associado a um padrão dietético não saudável, uma vez
que quanto mais calorias advindas desses produtos, menor será a proporção do
consumo de alimentos naturais integrais. Recomendações que visam melhorar a qualidade geral da dieta, ao invés de focar em nutrientes isolados tem sido indicado como uma melhor estratégia.
De qualquer maneira, a maioria dos alimentos comprados e consumidos são processados até certo ponto. Por esse motivo, críticas aos alimentos processados e abolição total do consumo de industrializados não são viáveis. Os alimentos se beneficiam e ficam mais disponíveis quando processados por vários métodos de preservação (microbiológica), e alguns processos melhoram a qualidade dos alimentos, como exemplo a fermentação.4
Pra finalizar, é urgente e necessário que as pessoas
mudem seus hábitos alimentares para uma direção considerada mais saudável e
sustentável. O que pode ser alcançado com um aumento na preparação de refeições
baseadas em alimentos frescos e integrais, e dedicarmos mais tempo à culinária doméstica seria um dos caminhos. O que leva à máxima "descasque mais e desembale menos".
Referências:
1. Hall,
K. D. et al. Erratum: Ultra-Processed Diets Cause Excess Calorie Intake
and Weight Gain: An Inpatient Randomized Controlled Trial of Ad Libitum Food
Intake (Cell Metabolism (2019) 30(1) (67–77.e3), (S1550413119302487),
(10.1016/j.cmet.2019.05.008)). Cell Metab. 30, 226 (2019).
2. Zinöcker, M. K. & Lindseth, I. A.
The Western Diet–Microbiome-Host Interaction and Its Role in Metabolic Disease.
Nutrients vol. 10 (2018).
3. Gibney, M. J. Food Technology and
Plant-Based Diets. J. Nutr. 151, (2021).
4. Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac J-C, Louzada MLC, Rauber F, et al. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutrition. Cambridge University Press; 22(5):936–41, (2019). https://doi.org/10.1017/S1368980018003762
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