Substitutos de carne feitos de vegetais: Estaremos trocando 6 por meia dúzia?
A oferta de produtos à base de vegetais que imitam a carne tem crescido durante a última década, e podem apoiar na transição para uma dieta vegetariana. Porém, a maioria desses produtos análogos à carne são categorizados como alimentos ultraprocessados, segundo a classificação NOVA. E devido à sua natureza formulada e processada, a nutrição, saúde e segurança desses produtos alternativos têm sido analisadas.
A adesão à carnes vegetais vêm crescendo, porém a maior parte da substituição da proteína animal ainda é
feita apenas por vegetais in natura. Uma pesquisa feita aqui no Brasil pelo The
Good Food Institute (1) (em parceria com o IBOPE) mostrou que o
maior público consumidor de proteínas alternativas industrializadas não são
vegetarianos e veganos. Isso porque, os análogos às carnes que entregam
experiência de consumo similar à fonte animal têm grande potencial de aceitação
do público onívoro e flexitariano (que têm reduzido o consumo de animais). E é
justamente esse um dos objetivos desses produtos: atrair o público majoritário, por isso, inclusive ficam ao lado dos produtos tradicionais nas gôndolas do mercado, e não em um
corredor separado destinado a um público exclusivo de vegetarianos/veganos, por
exemplo.
Isso se faz necessário considerando
que o consumo de carne de origem silvestre e da pecuária tradicional também é
visto como um potencial impulsionador para o surgimento de novas zoonoses (saiba mais aqui).
E que a limitação do seu consumo parece ainda ser irreal mediante a alta
demanda mundial por carne nas últimas décadas e estimativa que o consumo global
dobrará até 2050, segundo projeção recente do Fórum Econômico Mundial.
Também foi perguntado aos
participantes da pesquisa sobre o que os influenciam na hora de comprar proteínas
alternativas. Ter menos gordura, ter ingredientes naturais e a quantidade de
proteína foram as características mais relevantes. O que demonstra a importância
da saudabilidade aliada à experiência sensorial semelhante ao produto de origem
animal, que remete ao famoso unir o
útil ao agradável.
Em um estudo transversal (que observa
dados de um subconjunto representativo da população em um momento específico) que
analisou a proporção de energia oriunda de alimentos ultraprocessados e a
qualidade nutricional da dieta, mostrou que vegetarianos e veganos consumiram
mais ultraprocessados do que os comedores de carne (onívoros), especialmente
por meio do consumo de carne vegetal industrializada e substitutos do leite. Dentro
das dietas vegetarianas, os veganos eram os maiores consumidores de ultraprocessados,
seguido por ovo-lacto-vegetarianos (consomem ovos e lácteos) e pesco-vegetarianos
(consomem peixe). Paralelamente, quanto mais os participantes evitavam
alimentos de origem animal, maior era a probabilidade de apresentarem maior
consumo de alimentos vegetais não processados (frutas, vegetais, legumes, batatas
e outros tubérculos, castanhas e grãos, cereais, sementes germinadas). Por
isso, apesar dos onívoros exibirem a porcentagem mais baixa de ingestão de ultraprocessados,
a qualidade nutricional das dietas foi associada ao nível de evitação de alimentos
de origem animal, com maiores índices de dieta saudável para o grupo de veganos,
seguido de vegetarianos, pesco-vegetarianos e por último onívoros (2).
Já se sabe que substituir carne
vermelha por fontes vegetais integrais melhoram o perfil de fatores de risco
associados à doenças cardiovasculares, como colesterol total e LDL. Mas, substituir
a carne por alternativas à base de plantas (carnes vegetais) oferecem
benefícios cardiometabólicos semelhantes ao consumo dos vegetais integrais? Qual
o efeito do consumo de carne vegetal em oposição à carne animal sobre os
fatores de saúde? Um estudo randomizado cruzado que fez essa comparação mostrou
efeitos benéficos dos substitutos de base vegetal, com melhora de vários
fatores de risco de doenças cardiovasculares, incluindo redução nos níveis de
TMAO (saiba mais sobre aqui),
colesterol LDL e peso (3). Considerando as recomendações consistentes
para reduzir a ingestão de carne vermelha para uma saúde cardiovascular ideal,
as carnes à base de plantas oferecem uma alternativa potencialmente saudável.
Examinar o perfil nutricional dos
produtos substitutos lácteos e de carne e compará-lo com os equivalentes dos
produtos animais fornecerá insights sobre a adequação nutricional das dietas. Uma
análise de 137 alimentos à base de plantas mostrou que, em relação aos de origem animal, os produtos vegetais eram geralmente mais baixos em calorias,
gordura total e saturada, e continha mais carboidratos e fibra alimentar (4).
Embora geralmente contenham mais sódio, e menos proteína, zinco e vitamina B12
do que os produtos cárneos que eles substituem (4,5).
Um estudo que simulou substituições de alimentos de origem animal (carnes, laticínios e sobremesas lácteas) por produtos baseado em plantas mostrou melhores adequações para fibra, ácido linoléico, ácido α-linolênico, vitamina E, folato e gordura saturada, mas, baixas adequações para vitamina B12 e B2, bem como zinco e ferro na substituição de carne, e cálcio e iodo na substituição de leite/sobremesas lácteas. Substitutos laticínios fortificados com cálcio permitiriam a manutenção adequada de cálcio. As substituições modificariam a participação energética dos alimentos ultraprocessados de 29% para até 40%, dependendo do alimento substituído e do substituto usado (6).
Assim, a troca de carne animal para análogas baseadas em vegetais incentiva uma mudança global para um sistema alimentar mais sustentável, podendo beneficiar a saúde humana e planetária. Embora ainda não há evidências que sugiram que esses produtos possam substituir dietas saudáveis baseadas em alimentos vegetais integrais e minimamente processados.
Mais pesquisas sobre a relação
entre dietas vegetarianas e consumo de ultraprocessados exigirá que os métodos
de avaliação dietética identifiquem adequadamente o nível de processamento dos
alimentos consumidos, ou os tipos de aditivos que contêm (também indicativo do
nível de processamento). E mais trabalho também precisará ser feito para
entender os efeitos do consumo de substitutos vegetal lácteo e de carne na
saúde em longo prazo.
E aqui deixo uma outra reflexão:
será essa classificação NOVA dos alimentos, que os categorizam de acordo com o
nível de processamento industrial, mais do que seus ingredientes e composição
nutricional, uma maneira adequada de inferir a saudabilidade de uma dieta? O
que quero dizer é: será que tem diferença ingerir os mesmos nutrientes
(composição e quantidade) oriundos de um alimento industrializado do que na sua
forma natural e/ou preparado em casa? E qual a relação da complexa interação da
matriz alimentar (alimento integral) versus os nutrientes/compostos isolados (como
em cápsulas/suplementos) na saúde?
Bom, essas perguntas levam a
outro assunto, que ficará para um próximo post. Até lá!
Referências:
1 O consumidor brasileiro e o mercado plant-based. The Good
Food institute. Disponível em: https://gfi.org.br/wp-content/uploads/2021/02/O-consumidor-brasileiro-e-o-mercado-plant-based.pdf
Acessado em 11/06/2021.
2 Gehring, J.; Touvier, M.; Baudry, J.; Julia, C.; Buscail, C.; Srour, B.; … Allès, B. (2021) Consumption of Ultra-Processed Foods by Pesco-Vegetarians, Vegetarians, and Vegans: Associations with Duration and Age at Diet Initiation. The Journal of Nutrition, 151(1), 120–131. https://doi.org/10.1093/jn/nxaa196
3 Crimarco, A.; Springfield, S.; Petlura, C.; Streaty, T.; Cunanan, K.; Lee, J., ... Gardner, C. D. (2020) A randomized crossover trial on the effect of plant-based compared with animal-based meat on trimethylamine-N-oxide and cardiovascular disease risk factors in generally healthy adults: Study With Appetizing Plantfood-Meat Eating Alternative Trial (SWAP-MEAT). Am J Clin Nutr, 112, 1188–99. https://doi.org/10.1093/ajcn/nqaa203
4 Curtain F, Grafenauer S. (2019) Plant-based meat substitutes in the flexitarian age: an audit of products on supermarket shelves. Nutrients, 11:2603 https://doi.org/10.3390/nu11112603
5 Harnack, L.; Mork, S.; Valluri, S.; Weber, C.; Schmitz, K.; Stevenson, J.; Pettit, J. (2021) Nutrient Composition of a Selection of Plant-Based Ground Beef Alternative Products Available in the United States. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, In press 2212-2672. https://doi.org/10.1016/j.jand.2021.05.002